— Alô – disse a voz no outro lado da linha.
— E aí – respondi – recebeu a ligação?
— Aham.
— E então, como foi?
— Você não imagina…
— Diga logo. Você conseguiu?
— … – ela demorou um tempo a responder; minha ansiedade estava no limite. – Eu consegui!
Eu não sabia se devia ficar feliz ou triste. Por um lado, ela conseguia tudo aquilo que sempre sonhou, seria um salto gigantesco na carreira que ela adorava seguir. Por outro, nós iríamos nos separar e quem sabe quando nos veríamos novamente.
— Não vai dizer nada? – ela perguntou dado o meu silêncio.
— Nem sei o que dizer… Meus parabéns! Você vai ter uma ótima oportunidade.
— Sim. Eu ainda nem acredito. Vou trabalhar ao lado dos melhores do ramo! Quem sabe, no futuro, eu esteja no lugar deles.
— Com certeza.
Evitei falar mais coisas. Tinha medo de que minha tristeza pela despedida, que ocorreria em breve, transparecesse. Ainda estava na dúvida quanto aos meus sentimentos. Além disso, não deveria antecipar o que ocorreria no futuro. Sei que ainda a veria antes de ela partir.
— Temos que nos encontrar pra conversar e celebrar – ela disse. – Conheci um restaurante ótimo de culinária dumdri. Vamos jantar lá hoje?
— Não sei… Não sou tão fã de comidas exóticas quanto você.
— Tenho certeza de vai gostar. Já te levei para um lugar ruim antes? Além do mais, os orientais fazem pratos excelentes.
Aceitei. Estava relutante em encontrá-la. Pessoalmente não seria tão fácil esconder meus sentimentos quanto foi por telefone. Será que ela sentiria saudades de mim? Talvez ela também estivesse tentando esconder isso. Essa esperança me renovou a energia, mas eu ainda tinha outra coisa com o que me preocupar.
Vesti-me de maneira bem simples. Botei um vestido preto longo e uma sandália com um pequeno salto. Não fiz nada além do básico na maquiagem. Não sabia qual era o costume dos Padoseiki – aliás, odiava ir a esses restaurantes exóticos aos quais ela costuma me levar justamente porque me sinto deslocada em relação às tradições desses povos.
Cheguei ao lugar combinado pouco antes da metade do décimo mide. Por sorte, ela já estava lá – não se me sentiria à vontade em tal lugar sozinha – e estava linda como nunca. Abriu o largo sorriso que eu sempre gostei quando me viu. Levantou-se para me cumprimentar e não pude deixar de notar que ela usava um perfume novo.
— Ganhei de um amigo – ela revelou após nos sentarmos – Ele me deu como presente pela conquista. O que vai pedir?
— Não faço idéia – respondi.
— Imaginei. – ela riu – O sulini daqui é excelente, acho que você vai gostar.
— E o que é isso?
— Uma massa cozida em tiras com pedaços de legumes e temperada com um molho agridoce de latáriu.
— Parece ser interessante. Mas, me conte, como está se sentindo?
— Ah, nem sei dizer. Nem acredito que consegui. Quando me confirmaram que eu tinha sido aprovada, nem soube o que responder. Vou para Gedijus, a terra do cinema, dá pra imaginar? Ficarei lado a lado com os melhores diretores do mundo!
— Vai ser excelente para sua carreira. Foi tudo o que sempre sonhou, não? – parecia que eu estava falando para ela, mas, na verdade, tentava convencer a mim mesma. Aparentemente, ela notou esse detalhe.
— Sei o que está pensando. Também penso nisso. Queria poder te levar comigo, mas isso não será possível. Mas podemos continuar nos falando por telefone e pela internet. Além do mais, não como se nunca fôssemos nos ver novamente: eu posso vir te visitar e vice-versa.
Não esperava ouvir isso. Era o que eu queria ouvir, mas não imaginava que aconteceria realmente. Fiquei sem saber o que dizer e me limitei a soltar um sorriso de viés.
Durante o restante do jantar conversamos sobre outras coisas. Estava evitando voltar a esse assunto, tentando me distrair com pensamentos diversos. Imaginava que ela também estivesse, mas não poderia dizer com certeza.
Após terminarmos a refeição e acertarmos a conta, saímos para dar uma volta. Andávamos devagar pelo passeio, ambas em silêncio. A noite também estava menos barulhenta do que o de costume e o movimento era menor do que o usual. Olhei pro céu e vi Pathiem cheia, num ponto alto do céu. Miniel deveria estar se pondo no leste, mas nuvens além de prédios cobriam sua visão.
— Você gosta bastante dessa lua – ela afirmou.
— Sim. – respondi após uma pausa – Faz-me sentir tão pequena e, ao mesmo tempo, tão grande…
— Entendo.
— Busco inspiração nela. E força.
— Sei que vai ser difícil. Pra nós duas, posso dizer. Passamos nossas vidas inteiras juntas. Dizem que amigos são irmãos que escolhemos. E nós escolhemos uma a outra. Mas mesmo irmãos um dia acabam se separando e cada um segue seu caminho. Porém nunca deixam de ser irmãos. Assim como nós: seremos amigas para sempre.
Ela pegou na minha mão e apertou. Senti-me muito desconfortável. “Amigas”, ela dizia. Ouvira essa palavra muito por muitos anos – por minha vida toda, na verdade. Não sei se sempre me senti assim ou se foi só recentemente, mas agora eu tinha dúvidas se a queria apenas como amiga.
Não consegui dormir naquela noite. Passava do décimo-sexto mide e ainda virava de um lado a outro na cama. Pensando no que acontecera e, também, no que ainda viria a acontecer. Não tinha certeza do que fazer. Não sabia se deveria contar a ela ou se deveria apenas esquecer, agora que ela iria para longe. O que ela pensaria de mim se lhe revelasse tal coisa?
Levantei-me ao perceber que o sol nascia. Desci até a cozinha, enchi um copo com leite e sentei-me à mesa. Bebia o líquido gelado aos poucos enquanto encarava uma das paredes. Pensei nas consequências de minhas possíveis atitudes. Decidi que seria melhor renunciar àquela idéia e deixá-la livre disso. Voltei pra cama ao terminar o copo e tentei dormir pelos poucos mideki que restavam antes de ter de levantar para trabalhar. Tal esforço foi inútil, no entanto.
Tentei evitar essas idéias durante o restante da semana. Quando esta chegou ao fim e veio também o dia da partida de minha amiga. Minhas parcas noites de sono me deixaram com visíveis olheiras. Ela notou-as quando abriu a porta de sua casa para mim – ela quis que eu a acompanhasse até o aeroporto.
— Espero que consiga dormir melhor a partir de agora. Não pode-se dar ao luxo de só descansar quando eu estiver por perto. Assim que eu me instalar lá nós nos falaremos de novo, mesmo que não seja pessoalmente.
— Eu sei, mas é que… – tentei até dizer, porém falei outra coisa – nunca gostei de despedidas, por menores que fossem.
— Sim, claro. Sei como você é. Não tem problema chorar, se uma hora você parar.
Ajudei-a a pôr as malas no bagageiro do carro. Sentei-me no banco traseiro, ao lado dela, enquanto o pai dela dirigia com sua mãe ao seu lado. Ficamos em silêncio durante a viagem que pareceu durar uma eternidade.
Enfim, chegou o momento da despedida em si. Observei-a enquanto abraçava seus pais – ela ficou o máximo de tempo que pôde. Então veio e me apertou bem forte.
— Vou sentir saudades. Ligo-te assim que chegar lá.
Ela pegou sua mala de mão e dirigiu-se à porta de embarque. Enquanto ela se afastava, eu via tudo como se ocorresse em câmera lenta. Cada passo seu parecia durar horas e o impacto parecia vibrar a terra como um terremoto. Quando percebi, já estava a seu lado e segurando-a pelo braço. Não pensei em nada, apenas comecei a falar enquanto ela olhava, atônita, a minha estranha atitude.
— Eu preciso te dizer – eu disse após um suspiro – que te amo.
— Ora, – ela respondeu, abrindo um largo sorriso – eu também te amo!
— Não. Quis dizer outra coisa. Que te amo de uma forma diferente, mais do que uma amor entre amigas.
Vi sua expressão mudar. Ela, claramente, não estava preparada para aquilo.
— Uh… desde quando? – ela disse devagar.
— Não sei. Talvez desde sempre. Mas só agora isso ficou claro para mim.
— Eu… nem sei o que dizer. Não sabia que você gostava… Que você era… assim, sabe?
— Nem eu sabia. Ainda acho isso estranho, só que é a verdade.
— Eu sinto muito. – ela disse então – Sinto, pois não posso corresponder tal sentimento. Mesmo que eu pudesse, não seria possível nesse momento, você sabe. Eu queria, mesmo, que continuássemos como amigas.
— Bem, eu imaginei. No entanto eu precisava desabafar, não seria capaz de guardar esse segredo. Mas, acho melhor que sigamos apenas com a amizade, como sempre foi.
Ela então me abraçou meio desajeitadamente com a mala na mão.
— Sinto muito. – disse – Vamos continuar juntas. Não quero te abandonar e isso não é uma despedida permanente. Sinto, mesmo, mas é só isso que posso oferecer.
— Eu entendo. É suficiente. – respondi – “Amigas para sempre”, você disse. Que assim seja.
Ela me apertou mais um pouco e então me largou. Voltou a andar em direção à porta, olhando para trás algumas vezes e uma última vez antes de sumir de vista.
Eu fiquei parada lá. Uma lágrima solitária escorreu de meu olho direito e nem me dei ao trabalho de enxugá-la. Permaneci lá, estática, por sei lá quanto tempo, observando a porta imaginando se seria possível que ela saísse de lá.
Então senti um toque. A mãe dela segurou de leve meu braço e botou sua mão em meu ombro.
— Vamos. – ela disse – Não se preocupe, vocês voltarão a se ver. E tenho certeza de que se falarão em breve.
E eu fui. Em silêncio, como na vinda. Eles me deixaram na porta de casa, agradeci a carona e saí do carro. Ouvi-o acelerar e partir, com seu motor soando cada vez mais grave e distante. Voltei a ficar parada, apenas a alguns passos da entrada de casa. Não sabia o que fazer. Por um lado, me sentia aliviada por ter contado e por outro ficava triste e saudosa por ter de vê-la partir.
Então aconteceu. Quando dei por mim já tinha me estatelado sentada no chão. Minha reação foi apenas abraçar minhas pernas, apoiar a cabeça nos joelhos e desatar a chorar.
— Ah, por favor! – ouvi-a dizer – Não deve ter machucado tanto assim!
Ela se agachou para ver como eu estava e eu apenas acenei com um gesto para que ela fosse embora, sem sair de minha posição.
— O que aconteceu? Por que chora, supondo que não seja porque caiu?
— Não faz diferença. — respondi – Vá embora.
— Ora, você vai contar o que sente para alguém?
— Não.
— Pois então, é ruim guardar isso para si mesma. Se não tem ninguém para quem contar, então conte para mim.
Ela pegou meu braço com firmeza e, ainda assim, com suavidade, me obrigando a ficar de pé. Tentei virar o rosto para esconder minhas lágrimas, mas era inútil. Ela me emprestou um lenço para que eu as enxugasse.
— Você precisa de um sorvete. Tem um lugar ótimo aqui perto. Vamos lá?
E eu fui. “Não tem problema chorar, se uma hora você parar”. Depois disso, no entanto, poucas foram as vezes que chorei.