Andava pela rua distraído, despreocupado com o resto do mundo. Não percebia as pessoas que esbarravam nele – ou ele que esbarrava nelas – e olhavam para trás de cara fechada. Isso não era importante. Não notava o barulho infernal do trânsito caótico da cidade, nem o motociclista que acabara de sofrer um acidente na esquina. Isso também não era importante. Não reparava na faixa cinza da poluição sobre os prédios também cinzas. Isso tinha ainda menos importância.
Na sua mente apenas circulava aquele pensamento esquisito que surgira de repente por algum motivo que ele não sabia ao certo. Tentou fortemente parar de pensar naquilo, mas seus esforços eram inúteis.
– Olha por onde anda! – alguém gritava com ele. Mas isso não tinha a menor importância.
Também não percebera o outro acidente – que ele mesmo causara ao atravessar a avenida sem olhar. Não fazia diferença. As gotas da chuva que acabara de começar caíam sobre seus cabelos. Algumas pessoas começaram a correr, outras simplesmente abriram o guarda-chuva. Quem não tinha um poderia ter comprado com um dos vendedores que surgiram do nada. Ele, claro, nem percebeu isso também. Não que isso fosse importante.
O que lhe intrigava era aquele pensamento macabro que surgira do nada. Parou, de repente, e olhou para o alto, observando o grande arranha-céu a sua frente. “Como seria?”, ele pensava. Muitas pessoas já haviam ousado, mas ninguém nunca tivera a oportunidade de contar como é. E ele já imaginava a cena.
Não que ele tivesse realmente vontade. As consequências também seriam drásticas. Mas a curiosidade crescera a tal ponto que não conseguia mais resistir. “Como seria cair de lá de cima?”, ele pensava. Já imaginava a cena. O vento cortando o rosto. As gotas de chuva molhando suavemente seu corpo. O crânio esmagado pelo asfalto. Essa parte lhe dava arrepios, mas a curiosidade ainda era maior. “Qual será a sensação?”, ele pensava. Os ossos sendo fragmentados e estilhaçados. As costelas se partindo, perfurando músculo e pele. O sangue escorrendo pela calçada.
Entrava no elevador. Pressionava o mais alto botão do painel. E já imaginava a cena. As mulheres gritando. As pessoas em volta de seu corpo espatifado no chão. “O que será que acontece quando a gente morre?”, ele pensava. Isso sim era importante.
Abriu-se a porta do elevador. Ainda não era o andar dele. Pessoas entraram e olharam-no. Nem preciso dizer que ele nem percebeu – mas disse mesmo assim, só para ficar claro. E isso era mais daquelas coisas sem importância. A porta se fecha. Ele não consegue pensar em mais nada. Ainda bem, pois assim podemos pular toda a enrolação do elevador parando nos outros andares.
Ele está sozinho no elevador. Dificilmente alguém subia até a cobertura. Muito menos até o terraço, que era para onde se dirigia a escada que ele estava subindo. Se aproximou da borda do prédio. Olhou lá pra baixo. Era realmente um grande edifício. Parecia bem mais alto daquele ponto de vista. Subiu na mureta. O prédio parecia ter crescido alguns andares. O vento batia em seu rosto, assim como as gotas da chuva, mas não o desequilibrava. Não sentia medo, só ansiedade. E fazia tudo bem devagar, como quem saboreia um delicioso pavê de chocolate. Fechou os olhos e abriu os braços.
Abriu os olhos e mergulhou de cabeça. Afinal, era importante que o crânio se espatifasse no asfalto. Não sabia se teria uma segunda chance de fazer aquilo. Tudo tinha que dar certo na primeira tentativa. O vento cortava o seu rosto, como ele tinha imaginado. Mas a sensação era especialmente única. Não é como pular de pára-quedas, pois ele tinha a certeza de que o pára-quedas não se abriria. O chão se aproximava cada vez mais rápido. Conseguiu ouvir um grito de mulher. Abriu um sorriso involuntariamente.
As pessoas que corriam por causa da chuva pararam de correr. Os vendedores de guarda-chuva pararam de gritar oferecendo seus produtos. Os executivos encharcavam seus ternos somente para olhar o que estava acontecendo. O trânsito continuava caótico e, daquele ângulo, os motoristas e passageiros não sabiam o que estava acontecendo.
Tudo foi muito rápido. Contudo, ele conseguiu ver sua vida diante de seus olhos, como um filme. E sentiu o chão molhado em seus cabelos, imediatamente antes que seu crânio fosse esmagado contra o asfalto. “Exatamente como eu pensei”, ele pensava. Tentou abrir um sorriso. Estava feliz. Mas seus músculos faciais não tiveram tempo de reagir antes que seu cérebro fosse destruído completamente. As mulheres gritavam. As pessoas se aglomeravam em volta de seu corpo espatifado no chão.
Não sentia mais nada. Não via e nem ouvia mais nada. Não pensava em mais nada. Antes de tudo, ainda sentiu pena. Também não teria a oportunidade de contar como é.