Jéssica – Parte Final

— Não gosto. Mas andava bebendo todos os dias – fiquei sem graça ao dizer isso – pois me fazia lembrar você.

Ela me convidou a entrar. Ficamos conversando durante a noite e acabamos dormindo no sofá. No dia seguinte, passeamos pelo parque – que ela adorava, aliás – e botamos as novidades em dia. Seus olhos estavam bem azuis e ela quase não parava de sorrir. Prometi a mim mesmo que faria tudo para que permanecesse desse jeito.

Em algum momento, ela chegou a me perguntar por que eu resolvera ir à casa dela tão tarde – e tão de repente – para pedir perdão. Eu, então, contei-lhe sobre a garota que me falara no bar. Percebi que não sabia o nome dela. Tentei descrevê-la, porém ela me disse que não conhecia ninguém com aquelas características. Achei aquilo estranho, claro, e fiquei me perguntando quem seria a tal mulher.

No dia seguinte, estava me inteirando das notícias do dia pela internet, enquanto tomava o café-da-manhã. Uma matéria me chamou uma atenção, por algum motivo que não sei explicar. Havia uma transcrição integral de uma carta que tinha sido deixada sem destinatário.

“Olá. Não sei se você vai ler esta carta, mas espero que sim. Eu fui falar com você ontem. Finalmente tomei coragem, após te ver triste, sentado, afogando as mágoas no bar. Quis te falar o que eu sentia. Quis te dizer que te amava do fundo do coração. E agora você estava só; era minha oportunidade. Mas quando olhei nos seus olhos eu vi outra coisa. Eu vi outra pessoa. Vi que você ainda a amava e sabia que ela te amava também. Ouvi você falando sobre ela e tive ainda mais certeza. Não fui capaz de separar vocês dois. Foram feitos um para o outro. Talvez você fosse feliz comigo, mas por quanto tempo? Com ela sei que vai ser feliz para sempre.

“Agora nada mais faz sentido. Perdi meu grande e único amor. A dor é grande demais, é insuportável. Não tenho mais razão para viver. Sempre odiei o clichê do suicídio por amor, mas agora entendo. Não vejo alternativa. Não suportaria ver vocês dois juntos. Sei que vai ser feliz com ela, mas o que sobra para mim? Nada.

“Espero que ela te aceite de volta – tenho certeza de que ela vai. E tenho certeza de que serão felizes. Sinto muito por não ter tido coragem de lhe dizer pessoalmente. Sinto muito por lhe contar quando é tarde demais. Sinto muito por te magoar – sei que você vai se sentir mal por isso. Porém, entenda que a culpa não é sua. Você não tinha como saber. Nunca contei a ninguém. Não se culpe, por favor. Se existe algum lugar após a morte, estarei lá olhando e esperando por você.

“Mas, por agora, adeus.”

Outra lágrima me veio sem eu perceber. Eu sabia que a carta era pra mim. A foto 3×4 do documento de identidade não fazia jus à beleza dela, mas eu a reconheci. Senti-me mal, sim. Senti-me culpado também. De certa forma, eu poderia ter feito algo. Poderia ter evitado. Mas eu não sabia.

O tempo passou, casei-me com Amanda – os dela ficaram mais azuis do que nunca quando propus o matrimônio. Tive filhos e filhas, netos e netas. E aconselhei-os a sempre lutar por seu amor, não importa o quão difícil seja.

Nunca tive coragem de contar esta história, mas nunca fui capaz de esquecê-la.

Agora, viúvo e bem próximo do fim, me pergunto se existe algum tipo de vida após a morte. Tomara que sim, pois sei que Amanda estaria me esperando.

E eu poderia, enfim, conversar com aquela que me amou e nunca me disse. Agora, pelo menos, eu sei seu nome.

Espere por mim – que já estou chegando – Jéssica.

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