— Preciso falar contigo de novo.
— Outra recaída?
— Sim. Isso vem e vai. E depois volta. É sempre assim.
— E como você se sente?
— Sozinho.
— Mas você tem amigos, certo? Não está sozinho.
— Tenho, sim, só que estão longe. Quase não os vejo. Além do mais, sinto falta de outra coisa: de alguém especial.
— Um amor?
— Sim, isso. Uma companheira que esteja sempre ao meu lado. Que me ajude nesses momentos de solidão. Que me preencha. Alguém com quem eu possa conversar abertamente, além de você.
— Você precisa mesmo de alguém além de mim, nós dois sabemos disso.
— Claro. Mas, por enquanto, você é o único com quem posso contar. E você sempre sabe o que dizer.
— Eu digo aquilo que quer ouvir. Por isso gosta de mim, certo?
— Exatamente. Por isso gosto de você. Mas confesso, gostaria de outra pessoa. Alguém que me confortasse de verdade. Alguém que não me entendesse, não do jeito que você entende. Alguém que ainda pudesse desvendar meus segredos.
— E eu já sei todos os seus segredos.
— E não tinha como não saber.
— Vamos parar de falar de mim. Fale-me mais sobre se sente.
— Sinto-me vazio. Como se tivesse um buraco no meu peito. E isso faz com que eu não sinta nada. Pareço um robô que não tem sentimentos.
— Entendo. Você se sente como se nada fizesse diferença, não é? Falta-lhe vontade de fazer as coisas.
— Exato.
— Continue.
— Tenho problemas para dormir, também. Não durmo muito bem, como se o meu sono fosse bem leve. Acordo algumas vezes durante a noite e não consigo acordar cedo, pelo menos não sem ficar com muito sono. Mesmo que eu acorde depois do meio-dia, ainda sinto-me cansado.
— Acredito que ambos sabemos o motivo disso.
— Sim, não precisa nem dizer. Serotonina é a reposta. Por isso sinto falta daquele remédio. Fazia-me ficar bem mais tranquilo e dormir melhor também.
— Talvez, mas agora não tem mais remédio, sabe disso.
— Sei. E é bem provável que fique melhor sem ele. Ou talvez isso seja o que me faço acreditar, mas pode ser também apenas mais uma desculpa.
— Você sempre tem uma desculpa pra tudo; por quê?
— Meu lado esquerdo do cérebro nunca para de trabalhar. Sempre arranja um motivo para eu deixar de fazer as coisas. Um motivo lógico e racional para algo que não tem sentido algum. Queria saber por que sou assim.
— Não tem porquê. E isso não faz a menor diferença. Você pode mudar e sabe disso.
— Posso, sim, mas não sozinho, como estou agora. Preciso de alguém que me dê forças, que me empurre na direção certa. Se pelo menos você fosse capaz de fazer isso…
— Não sou. Mas posso te ajudar, sim, a sair dessa fossa, como já fiz antes. E daí o resto é por sua conta.
— Isso deveria ser o suficiente. Porém, nunca o é. Sinto falta de algo mais. Ainda não sinto a vontade que deveria sentir. Procrastino o tempo todo, até para essas coisas que deveriam me deixar melhor. Evito por um motivo que não faz sentido.
— Você tem medo.
— E o medo vem da minha baixa autoestima. Tenho medo de falhar e nem tento, mas o problema é de eu achar que não sou capaz. Sempre evito porque tenho a certeza de que vai dar errado. E provavelmente vai dar, mas sei que deveria tentar mesmo assim.
— Nada vai dar errado. Pode até dar, só que se você não tentar, nunca vai dar certo.
— Sei disso.
— Então?
— Não sei. Mesmo sabendo disso, ainda me falta a coragem para tomar iniciativa. Não me vejo por aí conhecendo alguém na fila do banco ou no balcão de um bar. Não consigo ser assim.
— Por acaso é diferente das outras pessoas?
— Sou sim. Nunca sei o que estão pensando. Não sei se o que dizem é uma indireta ou se estou apenas imaginando coisas. Seria bem mais fácil se todos pudessem simplesmente dizer o que pensam.
— Mas não é assim. Tem-se que ler as entrelinhas.
— Pois é. E eu não aprendi a ler assim. Não consigo entender piadas de duplo sentido. Quer dizer, agora consigo por causa dos padrões que existem, mas nem sempre dá certo. As coisas passam despercebidas por mim. Não consigo dizer o que as pessoas estão sentindo.
— Não consegue ler as expressões?
— Não. Na verdade, nem consigo dizer o que eu estou sentindo. É difícil eu perceber com certeza. E nem consigo me expressar claramente também. Minha face é indecifrável e não é por vontade própria.
— Mas você sabe que sente solidão.
— Sei. E isso é estranho até. Sinto falta de alguém. Como se sentisse saudade de alguém que ainda nem conheci.
— Alguém sem forma.
— Sim, pode ser qualquer uma. Queria poder me apaixonar. Já fiz isso antes, mas agora parece tão difícil. Não sei mais dizer se é paixão ou apenas a solidão me empurrando pra cima de alguém.
— Entendo.
— Sei que entende, por isso falo com você.
— Mas já está na hora de parar.
— Verdade. Já estou me sentindo um pouco melhor. O vazio aqui dentro já diminuiu.
— E não sumiu; certo?
— Certo. Nunca some de vez, só se esconde.
— Já está pronto pra me deixar partir? Isso é importante. Deve saber distinguir as coisas.
— Eu sei. Acho que ainda sei.
— Sabe que não sou real, não é?
— Sei. Eu criei você, pra me livrar da solidão. Pelo menos temporariamente.
— Tudo bem. O importante é que saiba distinguir bem o imaginário do real.
— Sim, não posso ficar maluco. Pode ir agora.
— Sabe o que vou dizer agora?
— “Adeus“.
— Sim. Adeus.
— Mas eu sei que é “até logo…”.