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Pensemos um pouco em nós mesmos – Parte 1

   Postado por: George Marques   em Capítulo 5

— No que você está pensando? – Juliana perguntou curiosamente ao ver seu amigo olhando para o nada através da janela do carro.

— No nosso passado. E, também, no nosso futuro. Conhecemo-nos há tempos, nem precisamos falar para percebermos as intenções um do outro. Somos amigos de uma vida toda. Acho que eu queria ter te conhecido antes, seria legal se fôssemos amigos desde quando eu não pudesse me lembrar. Embora seja bom lembrar-me de quando te conheci.

— Está bem falante hoje, hein? Não é comum ver você se expressando assim.

— Você perguntou o que eu estava pensando. Eu apenas respondi.

— Hm… verdade. Acho que deveria te fazer essa pergunta mais vezes.

— Talvez, mas não lhe garanto que sempre irei responder.

Mesmo assim, ele agora fala mais do que o de costume, pensou Juliana. Não sei bem quando aconteceu, mas ele fala mesmo quando eu não pergunto diretamente. Antigamente era difícil arrancar-lhe mais do que uma resposta monossilábica. Ela se lembrava de quando acabara de conhecer Leonardo. Perguntas como “você gosta disso?” eram respondidas apenas com “sim” ou “não”. Ela precisou dizer muitos “por quês” antes que ele começasse a complementar a resposta deliberadamente. Ela se perguntava por que ele era tão reservado assim. Parecia que estava tentando se proteger de algo, talvez algum trauma na infância. Pare de fazer análise dele. Juliana se controlava para não usar-se dos recursos que aprendera na faculdade com o propósito de entender a personalidade de seu amigo. Ele não é seu paciente, Juliana, disse para si mesma.

O percurso durou algo em torno de dez minutos. Juliana usou seu controle remoto para abrir a porta da garagem. Ela estacionou o carro, Leonardo pegou sua mala e ambos saíram do veículo para adentrarem na casa.

Era uma casa grande. Os pais de Juliana eram donos de uma empresa de marketing que fazia muito sucesso. Consequentemente, eles tinham dinheiro o suficiente para uma excelente qualidade de vida. Juliana também os ajudava a administrar a empresa, recebendo um salário satisfatório, condizente com o porte de sua residência. Era um lugar onde poderia habitar uma família, embora ela morasse sozinha.

Não por uma influência cultural, mas sim por uma questão de limpeza, Juliana mantinha o hábito oriental de retirar os calçados antes de entrar em casa. Leonardo aprendera na primeira vez que a visitara, quando ela acabara de adquirir o imóvel. “Você não vai querer sujar meu carpete, não é?”, ela disse. Mas o fato até lhe agradou, também porque o tal carpete era macio o bastante para que fosse extremamente confortável – e relaxante – andar descalço.

Na sala de estar, Juliana entregou o controle remoto da TV de quarenta e duas polegadas que enfeitava a parede azul-turquesa e disse a Leonardo que ficasse à vontade.

— Vou tomar um banho. Se precisar de algo, dê um grito. – mas ele não iria gritar, mesmo que precisasse.

Ela subiu as escadas, entrou no quarto e fechou a porta como costumava fazer, embora não houvesse ninguém para espiá-la – e ela sabia que Leonardo não faria tal coisa. Desfez a trança em seu cabelo e despiu-se, jogando a roupa sobre a grande cama de casal que ficava em sua suíte, embora não ocupasse tanto do cômodo mais do que espaçoso. Entrou no box do banheiro e, já embaixo da ducha, ligou a torneira, fazendo com que a água fria que ainda estava contida no chuveiro batesse como uma pancada em suas costas. Logo a água foi aquecendo e caía como uma chuva morna em seu corpo. Ela ficou parada por um ou dois minutos, sentindo o líquido escorrendo pelo seu cabelo, relaxando e esquecendo-se do longo dia que tivera.

Enxugou-se calmamente com uma toalha vermelha felpuda. Enrolou-se no tecido macio e ligou o seu secador de cabelo. Com seu corpo encurvado, ela sentia o vento quente e ouvia o ruído do motor que geralmente a incomodava, especialmente naquele potente silêncio noturno. Dera-se conta que Leonardo não ligara o televisor ou, se o fizera, estava com um volume baixíssimo para que ela não percebesse no silêncio que preenchia o ambiente antes de ela ligar o aparelho. Considerando a primeira hipótese, perguntava-se o que ele estaria fazendo.

Quando suas madeixas estavam suavemente secas, Juliana desligou o secador e o guardou. Desenrolou a toalha em volta de si e a jogou sobre a porta do banheiro. Abriu o guarda-roupa, pegou uma calça de moletom cinza e uma camiseta folgada de algodão da cor do céu. Vestiu-se com aquilo que era seu pijama habitual e deu uma última olhada no espelho. Satisfeita, desceu as escadas mais rápido do que o normal na ânsia de atender à sua curiosidade. Deparou-se com a figura de seu amigo sentado no sofá com o laptop no colo, concentrado na tela brilhante. Já deveria ter imaginado, ela pensou.

— O que você está fazendo? – perguntou por fim.

— Nada de mais. – respondeu sem tirar os olhos do monitor – Foi uma boa ideia ter instalado uma rede sem fio aqui.

— Isso porque foi sua ideia. E, aliás, eu quase não uso. – ela se aproximou – mas largue esse computador por um segundo, hoje vamos fazer outras coisas. Suba lá para tomar um banho e colocar uma roupa mais confortável.

Leonardo hesitou por um momento e ficou observando os olhos de esmeralda no rosto de Juliana que o apontavam ansiosamente. Finalmente, desligou seu MacBook e deixou-o sobre o sofá. Pegou a mala com suas coisas e, enquanto subia os degraus, olhou para trás, percebendo que sua amiga não o acompanharia até a porta do quarto.

Após entrar, timidamente, na suíte de Juliana, ele depositou sua mala com cuidado sobre o colchão, sem tocar nas roupas que ela deixara jogada por lá. Fechou a porta silenciosamente e despiu-se, dobrando suas roupas com precisão e deixando-as temporariamente sobre o leito. Pegou os itens de que precisaria e adentrou o banheiro.

Ele abriu o chuveiro e testou a temperatura da água com a mão. Após regulá-lo ao estado que lhe parecia ideal, entrou vagarosamente sobre ducha, com cuidado para o caso de ter calculado mal o ajuste que fizera. Abriu um pouco mais o fluxo ao perceber que a água estava quente demais. Não levou nem cinco minutos para sair e secar-se com a toalha branca que trouxera. A roupa que vestiu não era muito diferente da que Juliana usava.

Guardou tudo cuidadosamente dentro da mala – exceto a toalha molhada, a qual levara para secar na área de serviço. Voltou para sala de estar, que agora estava vazia, apesar da TV ligada. Pelo som, Leonardo logo percebeu que Juliana estava na cozinha e dirigiu-se até lá. Ela percebeu sua aproximação e revelou o que estava fazendo:

— Estou preparando um lanche para nós. Você deve estar com fome, não? – ela nem chegou a desviar olhar do que estava aprontando.

— Sim, um pouco – respondeu Leonardo.

Juliana preparou dois sanduíches com fatias de peito de peru defumado, algumas de queijo mozarela, folhas de alface e algumas rodelas de tomate, cobertos por fatias de pão integral. Para beber, ela espremeu algumas laranjas, misturou água e um pouco de açúcar para criar um saboroso suco. Ao terminar, os dois voltaram para a sala de estar e sentaram-se no sofá, assistindo um filme de suspense que começava em um dos canais da rede de TV por assinatura. Juliana lembrou Leonardo para não deixar cair migalhas no carpete ou no sofá.

O filme acabou pouco depois de uma e meia da madrugada. Juliana e Leonardo já estavam bem à vontade no sofá nessa hora. Eles se levantaram e foram até a cozinha beber um copo de agua.

— Hm… – começou Juliana, antes de engolir a água – Está com vontade de jogar um pouco?

— Bem, pode ser.

Os dois voltaram à sala e Juliana ligou seu Xbox, o videogame da Microsoft. O jogo era controlado através do sistema chamado Kinect, que reconheci os movimentos dos jogadores por meio de uma câmera, assim não necessitava um joystick. Mas em pouco mais de meia hora, ambos já estavam exaustos.

— Acho que nós dois precisamos fazer mais exercícios. – disse Juliana, esparramando-se no sofá – Vamos dormir, então?

— Boa ideia. – Leonardo respondeu.

Ambos subiram as escadas e Juliana pediu a ajuda de Leonardo para pegar o colchão da cama do quarto de hóspedes para seu próprio quarto. Ele disse que não era necessário, mas ela afirmou que não faria sentido ele ir até lá se os dois fossem dormir separados.

Após se ajeitarem e apagarem as luzes, Leonardo ficou deitado no colchão sobre o piso do quarto de Juliana, enquanto a moça estava em sua própria cama. Ela estava deitada de lado, virada na direção dele. Deu boa noite e, ao ouvir a resposta, fechou os olhos para dormir. Leonardo, deitado de costas, fez o mesmo.

Este texto foi postado quarta-feira, 10 de abril de 2013 às 10:00 e arquivado como Capítulo 5. Você pode acompanhar as respostas a esta postagem no feed RSS 2.0. Você pode, também, deixar um comentário no formulário abaixo.

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