Leonardo saiu de casa e andou a até a estação de trem Granja Julieta. No caminho, conferiu a mochila para ter certeza de que não esquecera nada. Durante o percurso ferroviário, terminou de ler o livro sobre teoria da personalidade que tanto o interessara. Quando ele gostava da leitura, devorava os livros em poucas horas. Chegou à Cidade Universitária por volta de meio dia e meia. Pegou o a linha de ônibus circular que percorria o campus e desembarcou próximo ao IP. Foi até a biblioteca e viu, ao entrar, que Juliana estava concentrada anotando algo sobre uma mesa repleta de papéis. Andou até ficar ao seu lado e disse:
— Oi. Parece que está gostando de fazer isso.
Juliana pulou na cadeira de susto e quebrou a ponta do grafite em sua lapiseira. Olhou, estarrecida, para o ser que se materializara ao seu lado. Acalmou-se e tentou organizar as ideias para dizer alguma coisa, mas Leonardo foi mais rápido.
— Desculpe-me, não era minha intenção te assustar.
— Mesmo assim você me assustou, mas tudo bem. Pensei que hoje trabalharia sozinha.
— Se você quiser eu posso ficar em outro lugar.
— Não precisa. Acho que me expressei mal. Onde você estava afinal?
— Lembro-me de ter lhe dito que estava na casa de uma amiga.
— Sim, mas me pareceu muito estranho. Não é, por acaso, sua namorada?
— Se fosse eu teria lhe dito. Não mentiria para você.
— E, algum dia, conhecerei essa sua amiga?
— Não sei. Talvez nunca.
— Posso saber o porquê?
— É algo que não posso te contar. Pelo menos não aqui.
— Ok. Então você ganhou mais uma carona hoje. Terá que me contar direitinho essa história. Espero que não se importe de falar com Tamires novamente.
— Com isso eu não me preocupo. Só quero que você não entre em minha sala como fez ontem.
— Tem vergonha de mim?
— Não. Mas tenho certeza que esse fato geraria uma repercussão com a qual não gostaria de lidar. Todos vão me perguntar sobre você.
— Tudo bem, serei mais discreta desta vez. Além disso, eu… – Juliana hesitou, parecendo encabulada – queria te perguntar uma coisa.
— Não precisa de permissão para isso.
— É que é uma pergunta pessoal… Queria saber se você… é… conhece alguma mulher.
Leonardo franziu o supercílio como se não tivesse entendido a pergunta. Também porque, na verdade, ela não fizera exatamente uma pergunta. Visto que ele demorou a responder, Juliana complementou a sentença.
— Eu digo conhecer no sentido… bem, no sentido bíblico da palavra.
Leonardo então ergueu as sobrancelhas num sinal de que havia entendido.
— Ah, então você quer saber se eu já transei com alguma mulher? É isso?
Juliana enrubesceu no mesmo instante. Não esperava que ele fosse tão direto. Então, ela assentiu com um movimento discreto da cabeça.
— Desculpe-me, não pretendia deixá-la encabulada. Mas a resposta é sim.
— Eu pensei que esse tipo de coisa você me contaria. Digo, sem eu precisar perguntar. Mas parece que você realmente não tem o costume de falar sobre você.
— Não pensei que você se interessasse por essas coisas.
— Nós somos amigos. Isso é uma coisa importante para qualquer pessoa. E se é importante para você, também é importante para mim. Mas tudo bem, sei que esse é o seu jeito. Parece que vou ter sempre que te perguntar tudo. Bem, vamos voltar ao trabalho.
Leonardo sentou-se ao lado de Juliana, que lhe explicou o que tinha feito até agora. Ele viu que ela tentava organizar as diferentes teorias e juntar todas em uma única e extensa interpretação. Muitos tópicos se repetiam em diferentes publicações e alguns eram combinações de outros tópicos, o que fazia o trabalho de composição lento e complicado. Ele puxou uma folha de papel e tentou criar um diagrama que representasse as relações entre as matérias, mas não conseguiu, pois o assunto era muito extenso. Dessa vez, teria que deixar lápis e papel de lado e utilizar-se dos recursos digitais. Abriu seu MacBook e usou um aplicativo próprio para a criação de mapas mentais, que seria eficiente para seu objetivo, para refazer o que fizera no papel e acrescentar alguns detalhes.
Ficaram lá até às dezoito horas. Juliana percebeu, então, que não almoçara e, portanto, estava com muita fome. Ela estava tão concentrada e entretida que nem se dera conta de que não se alimentara. Seguiram até o bandejão para jantarem. O restaurante não estava tão cheio quanto o de costume por ser sexta-feira e, por esse motivo, muitos alunos não compareceriam à aula para se divertir em algum bar.
Como Leonardo já esperava, seus colegas de classe estavam à porta da sala, esperando-o para que falasse sobre Juliana. Ele olhou para eles e tentou evitá-los para que não iniciassem o assunto, porém seu esforço foi ineficaz. André o olhou vorazmente começou o diálogo:
— E então, vai nos contar quem é aquela deusa?
— Não pretendo falar sobre isso – Leonardo foi direto ao ponto, mas sabia que não seria desse jeito.
— Ela é sua namorada?
— Não, é apenas uma amiga.
— Então você pode me apresentá-la, certo?
— Eu não farei isso. Ela não iria gostar.
— Ah, mas nós somos amigos, ela entenderá. Quando me conhecer, não vai querer sair de perto de mim. Você sabe como eu sou, né?
— Eu sei que ela não vai gostar. Ela, provavelmente, deve ser obrigada a dispensar os homens com uma frequência razoável. Não precisa de mais um. Se acha que pode conquistá-la, então não precisa de mim para isso.
— Hm, já sei. Você está com ciúme.
— Não, eu não estou com ciúme. Estou apenas dizendo o que sei.
— Ah, claro – André disse com um tom de voz sarcástico. Não pensei que você fosse assim, Leo.
— Já disse que não estou com ciúme – ele já começava a demonstrar certa hostilidade.
— Se é verdade, qual o problema em me apresentá-la?
— Eu já respondi isso.
— Então, realmente, é ciúme.
André, então, notou que Leonardo contraía os músculos da face como se estivesse com raiva. Já vi essa cena antes, pensou, e lembrou-se de como o conhecera. Disse que era melhor parar com aquilo, pois Leonardo não estava gostando, o que fez com que este último aliviasse a carranca soltasse um suspiro. Todos entraram na sala, pois a aula já estava para começar.
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