— Não vai me dizer com quem estava falando? – Amanda perguntou, de forma persuasiva, assim que Leonardo desligou o telefone.
— Com uma amiga – ele fora objetivo.
— E qual é o nome dela?
— Isso eu não posso contar.
— Você é cuidadoso demais com as informações. Assim eu nunca vou conseguir descobrir quem você é de verdade. Você não vai me contar mesmo como descobriu meu endereço?
— Um mágico nunca revela seus truques. Depois de tanto tempo você ainda não descobriu? Achei que fosse um hacker mais eficiente… Melhor eu pedir para outra pessoa checar a segurança do meu Mac.
— Ah, não vale. Você tem aquela fortaleza e não é suscetível à engenharia social. Como eu poderia descobrir alguma coisa sobre você? É impossível.
— Cuidado com as palavras, nada é impossível. Eu não sou perfeito e sei que cometi algumas falhas. Se você se dedicasse mais, provavelmente conseguiria saber tudo, ou quase tudo, sobre mim.
— Não sou um gênio como você. Acho que nunca vou descobrir. Não pode dar uma dica?
— Se eu der uma dica você nunca vai aprender. Tem que fazer as coisas por conta própria. Bem, agora tenho que ir.
— Então é assim: você vem, se diverte e vai embora? Não vai ficar nem um pouquinho para conversar?
— Eu nem queria ter vindo, foi você quem me convenceu. E quando você descobrir quem sou eu, aí teremos muitas coisas para conversar.
Leonardo se vestiu e despediu-se de Amanda, que o acompanhou até o portão. Ele andou até a Avenida Ibirapuera a fim de tomar o ônibus de volta para casa. Teve o cuidado de verificar que não estava sendo seguido. Não sabia do que Amanda seria capaz para descobrir algo sobre ele. Era uma espécie de jogo entre os dois para testar a capacidade de coletar informações. Leonardo logo encontrara o endereço dela, mas ela ainda não tinha descoberto sequer o nome dele, chamando-o pelo seu nickname, TheKrin, ou variações deste.
Chegou a sua casa por volta das onze e dez. Impressionou-se ao encontrar a porta aberta. Percebeu, pelo som, que a televisão estava ligada. Ficou aliviado ao perceber que era Andressa, sua irmã mais velha, quem estava lá. Ela estava sentada bem à vontade no sofá, assistindo a uma série de sitcom. Usava uma saia comprida e uma camisa folgada com claras influências hippies. Ela o viu e o cumprimentou:
— Oi, maninho. Quer dizer que saiu da toca? Achei que você estivesse no quarto concentrado demais para me responder.
— Acho que ainda não consegui te convencer que não sou maluco, né? Eu também tenho vida social, embora, ainda bem, não seja parecida com a sua. E o que está fazendo em aqui tão cedo?
— Você continua hostil como sempre. Deve ser sintoma da maluquice. E, se quer saber, acabamos o trabalho da semana mais cedo e, portanto, estou de folga até segunda-feira.
— Ok. De qualquer forma vou sair depois de almoçar, então poderá ficar à vontade.
— Que bom. Então você vai me deixar livre de ver essa sua cara feia.
Leonardo não respondeu e foi para a cozinha.
Andressa tinha dois anos e meio a mais do que Leonardo. Era quase tão alta quanto ele e eram parecidos fisionomicamente. Era bonita, com seus cabelos naturalmente castanhos que chegavam à altura do peito. Seus olhos combinavam com o cabelo e possuía cílios compridos que chamavam a atenção. A face tinha uma pele clara e levemente rosada que criava covinhas quando ela sorria.
Em contraste com Leonardo, não era tão inteligente e tinha uma vida social agitada. Gostava de festas e começou cedo a beber e fumar. Atormentava seu irmão por seu estilo fechado e solitário. Achava, não que ele fosse realmente maluco, mas que tivesse algum tipo de problema mental. “Autista, talvez”, ela pensava, especialmente pelo fato de ele conseguir fazer cálculos com uma velocidade muito impressionante, mas sabia que o Autismo traria outros problemas que ele não apresentava.
Ela sempre gostou de desenhar e se considerava uma artista. A mãe deles conseguiu, após muito esforço, convencê-la a usar seus “dotes artísticos” em uma profissão de verdade, ao invés de tentar viver ao sabor do vento como pintora. Então ela se graduou em Design Gráfico no Centro Universitário Belas Artes, um dos melhores, se não o melhor, do ramo. Era um curso caro, mas Regiane faria qualquer coisa para não deixar sua filha “se perder neste mundo”, como ela costumava dizer. No último ano do curso, Andressa começou a estagiar como designer em uma empresa de publicidade e, ao se graduar, fora efetivada.
Leonardo abriu a geladeira e pegou duas as panelas das quais uma continha arroz e a outra feijão. Quando almoçava em casa, geralmente não exigia muito. Ouviu sua irmã gritar dizendo que havia frango cozido em um pote. Ele pôs as duas que estavam em suas mãos sobre a mesa e puxou o tal recipiente. Abriu a tampa e olhou. Provavelmente estava delicioso, mas a aparência não lhe agradou e ele decidiu não comer. Misturou arroz com feijão em um prato e deixou aquecendo no forno de microondas durante dois minutos. Encheu um copo com refrigerante de laranja. Retirou o prato do forno quando ouviu o alarme, pegou o copo e subiu até o quarto, não sem antes ouvir Andressa comentar que ele tão magro daquele jeito justamente por comer tão pouco.
Já no quarto, ele ligou seu computador de mesa e, ao terminar de carregar, abriu um episódio de uma série de TV estadunidense que ele baixara via internet. Assistiu enquanto comia. Ao terminar a refeição, olhou novamente seus feeds e se inteirou de algumas notícias da manhã. Abriu seu leitor de e-mails e verificou uma mensagem nova que recebera em sua conta “[email protected]”. Viu que fora mandado por “[email protected]”, o que indicava que fora Amanda quem enviara. A mensagem continha apenas: “obrigada =*”. Ele apenas excluiu e lembrou-se de que seu pen drive ainda estava no bolso. Ele emprestara para Amanda enviando algumas atualizações de softwares que ficaria pesado demais para mandar via web.
Pegou o pen drive e estava quase o espetando em seu PC quando parou e pensou melhor. Reiniciou o computador, mas desta vez iniciou por uma partição que continha uma distribuição do sistema operacional GNU/Linux, ao invés do Microsoft Windows. Deu uma verificada no conteúdo e percebeu que, realmente, havia alguns arquivos a mais. Então a senhorita Bee quis me mandar um Trojan, pensou.
Os Trojans, também conhecidos como Cavalos de Troia, são programas maliciosos que enviam informações sobre o computador infectado via internet. Assim, o programador pode saber quando sua vítima está online e, ainda por cima, adquirir acesso remoto e obter controle total sobre o sistema. Muitos dos Tojans eram identificados e bloqueados pelos softwares antivírus, mas Amanda, certamente, mandara algum que ela mesma desenvolvera e, portanto, não estava nos bancos de dados.
Quase caí no truque mais velho do mundo. Leonardo efetuou o chamado zero fill, que consiste em preencher toda a memória de armazenamento de seu pen drive com zeros, destruindo todas as informações existentes. Teve que formatá-lo novamente para poder voltar a utilizá-lo. Mandou uma mensagem de e-mail à Amanda, contendo “Boa tentativa, você quase me pegou”. Ele, então, desligou o computador, arrumou sua mala e desceu levando, também, a louça que usara até a cozinha para lavá-la e guardá-la. Ouviu um sarcástico “muito bem” de sua irmã. Quando passou por ela, sem se despedir, surpreendeu-se ao ouvir sua voz.
— Quem foi a gatona?
— O quê? – Leonardo parou e virou-se para olhá-la.
Andressa apontou para a parte de trás de seu próprio pescoço e explicou.
— Tem uma bela marca de batom aí. Pelo jeito sua manhã foi bem interessante – ela não se esforçava em esconder o riso.
Ele, instintivamente, passou a mão pelo pescoço e percebeu que era verdade. Voltou ao banheiro para limpar. Olhou, com ajuda de um espelho, se não havia nenhuma outra “surpresa” de Amanda. Quando passou pela sala novamente, mandou apenas um “obrigado” a sua irmã.
— Espere aí, não irá me dizer aonde vai?
— Vou à escola.
— Tão cedo? Deve estar aprontando alguma.
— Vou estudar e, depois, assistir a aula.
— Hm… Sei. Se você me ligar da cadeia, desligo na sua cara.
— Não precisa se preocupar com isso.
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