27
fev

Quem você realmente é? – Parte 2

   Postado por: George Marques   em Capítulo 3

Leonardo desligou o laptop. Tomou um banho de cinco minutos, vestiu-se e pegou seu celular e carteira. Desligou a luz do quarto, saiu de casa e trancou a porta. Pôs as chaves no bolso e se perguntou se não seria melhor ter trazido a mochila para não ficar com os bolsos tão cheios. Ficou com preguiça de voltar e decidiu ir do jeito que estava. Foi até o ponto de ônibus na Rua Verbo Divino e esperou durante sete minutos pela linha de ônibus 5318-10 que fazia o trajeto entre Chácara Santana e a Praça da Sé. Levou cerca de vinte e cinco minutos até que ele desembarcasse na Avenida do Ibirapuera. Caminhou até a Alameda dos Maracatins e parou em frente ao condomínio onde alguém já o esperava.

Amanda, conhecida na comunidade hacker como Bee, era uma mulher baixa, com cabelos pintados de vermelho fogo, sardas no rosto e piercings no nariz e no lábio inferior. Usava um batom vermelho escuro nos lábios e uma sombra negra nos olhos. Não era linda, mas possuía rosto e corpo que chamavam atenção. Andava sempre vestida inteiramente de preto. Tinha vinte e sete anos de idade, era formada em Sistemas de Informação pela PUC de São Paulo e trabalhava numa empresa de desenvolvimento de softwares como analista de sistemas pleno. Muitas vezes podia trabalhar em casa e, por isso, tinha um horário bem flexível. Seu salário era razoável, mas ela ganhava algum dinheiro extra com recompensas de grandes empresas para localizar falhas de segurança em seus programas e sistemas.

— Demorou menos do que eu pensei – ela disse, abrindo o portão para que ele entrasse.

— O trânsito estava tranquilo.

Seguiram até o elevador e subiram até o sexto andar. Ela o convidou a entrar e desculpou-se pela bagunça. Na verdade, mais parecia que um furacão passara pelo lugar, pois roupas, livros e discos estavam espalhados pelo local. Ele respondeu que já estava acostumado e disse que a casa dela nunca estaria arrumada. Amanda ofereceu um café e Leonardo aceitou. Não consumia com frequência, mas de vez em quando apreciava a bebida. Amanda dizia que ele não era programador de verdade por não ser viciado em café. Ele sentou-se no sofá enquanto ela lhe servia.

— Só um segundo que vou achar seu pen drive.

— E quantos dias esse segundo irá demorar?

— Ah, engraçadinho. Com quem você está aprendendo a ser sarcástico assim?

Ela entrou no quarto e voltou poucos segundos depois, mostrando o objeto que fora buscar.

— Está vendo? Já achei.

Leonardo terminou de beber seu café e deixou a xícara sobre a mesa de centro. Amanda sentou-se ao seu lado e ofereceu-lhe o pen drive. Ele tentou pegar, mais ela não largou. Ele, então, ficou segurando o item enquanto lançava um olhar penetrante. Amanda abriu um sorriso, retribuiu o olhar. Inclinou-se sobre ele e o beijou. Ambos largaram o objeto que caiu no chão. Fizeram amor ali mesmo no sofá.

Passava das dez horas quando a campainha soou. Mas ninguém apareceu. Juliana tentava olhar se havia algum sinal de vida na casa de Leonardo. Pegou seu celular e teclou o número do telefone fixo dele. Ouviu o toque baixo através das paredes, mas a ligação não foi atendida. Onde esse cara se meteu? Ligou então para o celular dele. Não ouviu nada na casa, então teve certeza de que ele não estava. Caiu na caixa postal e ela desligou e tentou novamente

— Alô. – Leonardo atendeu no quinto toque.

— Onde você está? – Juliana se mostrava preocupada e com um pouco de raiva.

— Ju? – perguntou-se por que expressara tal dúvida – Estou na casa de uma amiga.

Amanda dormia sobre ele, que teve o cuidado de falar baixo para não acordá-la.

— Hm… – ela estranhara, mas decidiu não perguntar, pelo menos não por telefone – Pensei que iríamos continuar a pesquisa.

— Sim, desculpe-me, mas eu tive que resolver algumas pendências antes. Hoje você pode continuar sem mim. Só preciso te pedir uma coisa.

— O quê?

— É que quero manter este projeto em sigilo. Então não faça anotações sobre o assunto, especialmente em computadores. Nem me mande e-mails. Aliás, também não acho bom falarmos sobre isso por telefone.

— Acho isso um pouco de exagero, mas tudo bem. Porém, eu preciso fazer anotações. Não tenho uma memória absoluta como a sua.

— Eu também não tenho memória absoluta. Você pode fazer anotações sobre teoria da personalidade, ninguém acharia estranho que uma estudante de psicologia fizesse uma pesquisa sobre isso. Mas não revele nossa intenção.

Amanda acordou e perguntou com quem ele estava falando. Ele ignorou e continuou a conversar com Juliana.

— Agora tenho que desligar. Mais tarde a gente se fala, tchau.

Juliana tentou argumentar, mais a ligação tinha sido cortada. Ficou intrigada. Que história é essa de estar na casa de uma amiga? E ele desligou tão de repente, o que é estranho mesmo em termos de Leonardo. Será que arrumou uma namorada e não me disse nada?

Ela entrou no carro e seguiu até a Cidade Universitária. Pretendia continuar a pesquisa sozinha, já que Leonardo não estava disponível para ajudá-la. Pensou no que ele dissera na noite anterior de aquilo valer por uma tese de doutorado. Fora Leonardo quem disse a ela para cursar psicologia. Ela queria fazer uma graduação, mas não sabia do quê e ele indicou psicologia. E agora falava sobre pós-graduação. Eu nem pensei que faria isso algum dia. E agora já ajo como se fosse natural. Juliana estivera tentando negar por muito tempo, mas ele tinha uma influência sobre ela. E eu que pensei que estava no controle, mostrando o caminho a ele. Percebeu que a influência era bidirecional, ao invés de unidirecional, como ela sempre pensara. Aquele nerdzinho está crescendo

E, de repente, sentiu algo estranho. Uma desconfiança despontara. Será que eu estou fazendo parte do joguinho dele? Sabia ele era muito inteligente, ninguém conseguiria fingir tão bem. Mas, talvez, ele estivesse usando essa inteligência para manipulá-la. Ele a convenceu a cursar psicologia para que pudesse solicitar tal pesquisa naquele momento oportuno. Mas ele não costuma guardar ideias.  E se fora sempre assim para não deixá-la desconfiada?

Sentiu um arrepio. Como posso duvidar do meu amigo depois de tantos anos? Ela percebeu que não havia motivo para isso. Se ele precisasse da pesquisa, teria capacidade de fazê-la sozinho. Não entendia por que ele queria sigilo. Parecia paranoia sem sentido. Eu o conheço desde a adolescência, por que agora ele está tão diferente? Então percebeu que ele não estava crescendo, mas que ele já crescera. Agora os dois eram adultos. Ela o tinha ensinado, mesmo que não completamente, a viver em sociedade. Ambos não eram mais adolescentes ingênuos e, sim, adultos formados. Teve medo de perder seu amigo, mas lembrou-se das palavras dele do dia anterior. Se ele estava mentindo, ele é muito melhor nisso do que eu pensei. Não era possível que não fosse verdade. Agora sou eu quem está sendo paranoica.

Ela parou o carro no lugar de sempre e andou até a biblioteca do IP. Foi até a estante e pegou as mesmas publicações que olhara no dia anterior. Espalhou os volumes sobre a mesa e puxou da bolsa seu fichário. Retirou algumas folhas e as botou sobre a mesa, no pouco espaço que havia livre. Vamos lá. Resolveu usar o estudo para distrair-se dos pensamentos maliciosos que lhe consumiam.

Como já tinha uma ideia do conteúdo, foi direto ao ponto e começou a fazer um apanhado geral de cada teoria. Começou pelas mais antigas, com a tipologia de Hipócrates, conhecido como o pai da medicina, que consistia na definição de que quatro diferentes humores físicos (sangue, bílis negra, bílis amarela e fleuma) estavam diretamente relacionados aos quatro temperamentos da personalidade (sanguíneo, melancólico, colérico e fleumático). E, também, eram relacionados aos quatro elementos da natureza (ar, terra, fogo e água).  Anotou detalhes, também, da famosa tipologia de Carl Jung, que fez a distinção entre introversão e extroversão, além de definir – seguindo sempre o número mágico – quatro funções distintas (pensamento, sentimento, sensação e intuição). Começou a se interessar pelo assunto e se aprofundou ainda mais. Parece que será divertido fazer essa tal tese de doutorado.

Este texto foi postado quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013 às 10:00 e arquivado como Capítulo 3. Você pode acompanhar as respostas a esta postagem no feed RSS 2.0. Você pode, também, deixar um comentário no formulário abaixo.

Poste um comentário

Nome (*)
E-mail (não será publicado) (*)
Site
Texto