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mar

O início da coisa toda – Parte 3

   Postado por: George Marques   em Capítulo 2

Juliana também chegou cedo a sua sala. Ficou na porta conversando com suas colegas. Não era incomum alguém passar e cumprimentá-la e ela sempre respondia com seu simpático sorriso. Por ter esse jeito cordial, ela conhecia gente em todos os lugares e costumava ser bastante popular, desde os tempos de criança.

Pouco antes de começar a aula, ela e as colegas entraram e sentaram-se. Juliana estava tentando prestar atenção, mas não conseguia manter-se concentrada. Pensava na ideia de Leonardo. Será realmente possível implantar uma personalidade em um computador? Ela se perguntava. Sabia que Leonardo estava confiante, mas ela ainda estava desacreditada. Mais do que isso, ele quer criar um cérebro eletrônico. É muita ambição da parte dele. Juliana estava preocupada com o amigo. Ele sempre foi estranho, mas será que ficou maluco de vez?

— Está tudo bem, Juliana? – disse Maria, uma de suas colegas, ao perceber a distração de Juliana.

— Sim, só estava pensando algumas coisas – ela respondeu com a simpatia de sempre.

Maria acreditou, apesar de ainda achar algo estava estranho. Mas pensava que se Juliana tivesse algum problema, com certeza contaria para ela. Afinal, eram amigas. O que ela não sabia é que Juliana não compartilhava a mesma opinião sobre a amizade delas. O fato de ela ser gentil com todo mundo passava, muitas vezes, a falsa impressão de intimidade.

Juliana saiu da aula um pouco mais cedo. Ela costumava dar carona para duas colegas, então avisou a elas que poderiam esperá-la no carro, que estava no lugar de costume, quando acabasse a aula e que ela não pretendia demorar. Caminhou até POLI e, usando seu charme habitual, conseguiu descobrir em qual sala Leonardo estaria. Esperou à porta até que a aula dele acabasse.

O primeiro aluno saiu e deixou a porta aberta. Ele ficou impressionado ao notar a linda garota que estava por ali. Juliana, então, entrou na sala e se dirigiu a mesa de Leonardo. Ignorou a salva de assovios que se formou ao redor.

— Venha, eu te dou uma carona. – disse a Leonardo.

— Não precisa, é muito fora do seu caminho.

— Eu não vou pra casa, tenho que passar em outro lugar.

— Se é assim, tudo bem. – aceitou Leonardo.

— Tenho que dar carona para duas colegas, mas elas moram perto. Espero que não se importe.

— Por que eu me importaria?

— É, tem razão, não tem motivo. – Juliana às vezes sentia-se boba quando Leonardo a respondia com perguntas retóricas.

Ele terminou de guardar suas coisas na mochila, se despediu de André que olhava, boquiaberto, para Juliana e nem chegou a responder. Os dois seguiram em silêncio em uma longa caminhada até o estacionamento do IP. Ao chegarem lá, Juliana viu que as duas já estavam esperando. Ela desculpou-se pela demora e apresentou Leonardo a elas, deixando claro que ele era apenas um amigo. Ele ficou sem saber o que dizer e apenas mostrou um sorriso enviesado.

Uma das colegas sentou-se no banco da frente do Siena de Juliana, enquanto que a outra ficou atrás, junto com Leonardo. Esta última tentou começar uma conversa com ele.

— Nunca te vi por aqui antes. Você não faz psicologia, né?

— Não. – ele respondeu objetivamente, como sempre.

— Então você cursa o quê?

— Engenharia da computação.

— Ah. Você estuda na POLI, por isso nunca te vi.

Como Leonardo não disse nada, ela continuou.

— Conhece Juliana de onde?

— Da escola.

Ela esperou que ele concluísse, mas logo percebeu que aquela fora a resposta.

— Que escola? Do colégio?

Acho que ela esperava uma resposta suplementar, pensou Leonardo.

— Não, nos conhecemos na sétima série.

— Ah. Faz bastante tempo, né?

Isso foi uma pergunta retórica? Ele não tinha certeza, então apenas assentiu com um gesto de cabeça.

— Você tem namorada?

— Não.

Neste momento o carro parou e Juliana informou que haviam chegado ao destino. Apenas ela permaneceu no carro, Leonardo saiu para sentar-se no banco frontal. As duas colegas se despediram deles e aquela que conversava com Leonardo deu-lhe um pedaço de papel que tirara de sua bolsa.

— Me ligue. – ela disse, lascivamente, e acrescentou uma piscadela.

Leonardo segurou, estupefato, o papel em sua mão enquanto as duas se afastavam. Olhou e leu o nome “Tamires” acima de um número que provavelmente era de um telefone celular. Pôs o bilhete no bolso e sentou-se ao lado de Juliana.

— Parece que você também tem o seu charme – ela comentou.

— Não entendi muito bem o que aconteceu aqui.

— Mas eu entendi. Tamires dá em cima de todo mundo. Não recomendo que você fique com ela, mas a opção é sua.

— Não pretendia ligar para ela, de qualquer forma.

— É. Eu imaginei.

Ambos ficaram em silêncio e assim permaneceram durante o trajeto restante. Ela estacionou o veículo em frente à casa dele. Leonardo tirou o cinto de segurança, se despediu e estava quase abrindo a porta quando ouviu:

— Espere. Eu preciso conversar com você. – ela, então, desligou o carro.

— Sobre o quê? – ele perguntou, curioso.

— Bem… Você sabe que eu sempre te apoiei nestes anos em que convivemos, certo?

— Sim. – ele franziu a sobrancelha.

— Então, eu sempre acreditei em seu potencial e te dei a maior força nas suas ideias. Eu posso até ser inteligente, mas você é um gênio.

— Qual é a sua intenção ao ressaltar isso?

— É que eu estou preocupada com você. Todas as suas invenções, por mais absurdas que parecessem, eram, ao menos, plausíveis. Entretanto, essa ideia que você botou na cabeça é algo impossível, inconcebível. Você sempre foi estranho, mas será que agora enlouqueceu de vez? Seu destino é grandioso, não quero que desperdice tudo assim.

Ela mostrou uma expressão de consternada. Ele a fitou sério como sempre por alguns segundos. Então abriu um sorriso sincero e a olhou profundamente.

— Juliana – ele começou. Eu entendo que pense assim. Você não tem a mente tão aberta quanto a minha. Parece mesmo impossível que eu consiga. Mas, se eu não tentar, como vou saber? Se for impossível, simplesmente falharei. Não vou ficar mal com isso, você sabe que não seria a primeira vez. Contudo, se eu obtiver sucesso, será algo tão majestoso que mal posso imaginar. É algo que valeria um prêmio Nobel. Nossos nomes estariam eternizados nos livros de história, como Einstein e Newton. Seríamos gênios do século XXI.

Ele olhava para ela com brilho no olhar que Juliana nunca tinha visto. Ela nunca percebera que, além de gênio, ele era um sonhador. Ele imaginava o futuro e, de lá, tirava suas ideias malucas de novas invenções. Algumas não davam certo, mas outras traziam um pouco de avanço a humanidade, por menor que fosse.

— E, para este futuro, quero que você esteja ao meu lado, Juliana – continuou Leonardo – Por isso eu te contei e por isso pedi sua ajuda. Você que sempre esteve ao meu lado durante todos esses anos, permaneceria ao meu lado quando eu chegasse ao topo. Você diz que meu destino é grandioso. Eu digo mais: que nosso destino é grandioso. Mesmo que não cheguemos tão longe, se conseguirmos criar uma teoria de personalidade científica, objetiva, detalhada e bem documentada, já vale pra você como uma tese de doutorado.

— Doutorado? Eu nem tinha pensado nisso, ainda restam mais de dois anos para eu me formar.

— Pois eu pensei. Eu nem pretendia fazer graduação, mas você me convenceu de que era importante. Você me sugeriu que fizesse o curso que faço. Se não fosse por você, eu nunca chegaria tão longe. Se o seu empurrão só foi o começo para que eu seguisse por conta própria, eu puxarei você para que esteja ao meu lado sempre. Eu nos imagino velhinhos, relembrando as histórias do passado. Imagino que seremos amigos para sempre, até quando para sempre for possível.

Ela sentiu uma lágrima começando a escorrer pelo rosto. Nunca pensara que Leonardo, aquele garoto sério e objetivo, pudesse ser tão romântico. Ele colocara a palma da mão sobre a face dela e, com o polegar, enxugou a lágrima que escorria. Ambos se olhavam nos olhos e pareciam que ainda estavam conversando, mesmo estando em silêncio. Depois de todos aqueles anos juntos se conheciam tão bem que não precisavam mais de palavras para se comunicar.

— Obrigado – ele disse, por fim – Não queria dizer isso agora, pretendia deixar para o fim, quando pudesse agradecer por tudo que você ainda vai me fazer. Mas, por enquanto, agradeço pelo que fez até agora. Eu não chegaria tão longe sem você. Então, por enquanto, obrigado.

Leonardo inclinou-se sobre ela e deu-lhe um beijo na testa. Eu te amo, ele pensou. Porém preferiu não dizer, com medo de que ela entendesse errado. Ele a considerava uma irmã. Provavelmente gostasse mais de Juliana do que sua irmã de sangue. Ele achou melhor ficar em silêncio e deixar pra dizer isso em outra oportunidade. Sabia que teria muitas.

— Você realmente vai a algum outro lugar agora?

— Não. Só disse isso como pretexto para  você aceitar a carona.

— Então você mentiu pra mim. Espero que nunca faça isso de novo. Não irá precisar.

Então, sem dizer mais nada, ele saiu do carro e entrou em casa sem sequer olhar para trás.

Juliana entendeu, então, que ele não havia mudado, que ele sempre fora assim. Sempre fora direto, frio e objetivo. Mas, ainda assim, era um ser humano e, portanto, tinha sentimentos. Apesar daquela casca irredutível, existia o medo, a dor, a culpa, a solidão, o sonho, a esperança, a vontade e, por que não, o amor. Ele nunca antes mostrara esse lado, porém ela sabia que ele não costumava dizer as coisas sem necessidade. Ela já aprendera a perguntar-lhe as coisas que queria saber, pois ele não falaria espontaneamente. E, agora, ele achara necessário explicar aquilo, porque ela estava perdendo a fé nele. Eles confiavam um no outro e, quando ele percebeu que ela perdia a confiança, ele contou aquilo para renová-la. E funcionara.

Este texto foi postado quarta-feira, 16 de março de 2011 às 10:00 e arquivado como Capítulo 2. Você pode acompanhar as respostas a esta postagem no feed RSS 2.0. Você pode, também, deixar um comentário no formulário abaixo.

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