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O início da coisa toda – Parte 1

   Postado por: George Marques   em Capítulo 2

— O que acha de começarmos agora mesmo? Podemos fazer uma pesquisa na biblioteca do IP – Juliana sugeriu ao saírem do estabelecimento.

— É uma boa ideia, mas eu vou ter que passar em casa antes. Não trouxe meu material para a aula.

— Ok. Eu te dou uma carona.

— Não, é totalmente fora do caminho. A gente se encontra lá mais tarde.

— Ah, deixa disso. Se você depender daquele trem, vai chegar lá só na hora da aula.

Leonardo resolveu aceitar a carona. Na verdade ele não queria, mas sabia que em certas situações era inútil tentar discutir com Juliana. Eles andaram até o estacionamento que ficava a duas quadras do restaurante. Entraram no Siena sedan azul-marinho de Juliana. Ela perguntou a Leonardo se ele não se importava por ela dirigir e ele não. Ele respondeu que não havia motivo para se importar e que existiam coisas que ele nunca seria capaz de fazer. Ela percebeu que, como sempre, ele tinha razão.

Juliana dirigiu pela Rua Dr. Mário Ferraz, virando à direita na Avenida Cidade Jardim. Pegou a rampa de acesso a Rua São Bonifácio e seguiu passando pela Avenida Alcides Sangirardi para entrar na Avenida Marginal Pinheiros, cujo tráfego ainda estava tranquilo àquela hora. Saiu na Ponte do Morumbi e virou à direita na Avenida Dr. Chucri Zaidan. Continuou pela Rua Henri Dunant, virando à direita na Rua Amaro Guerra e à direita novamente na Rua Antônio das Chagas, onde Leonardo morava. O trajeto levou cerca de quinze minutos.

Enquanto abria a porta, Leonardo convidou Juliana a entrar e perguntou se ela queria algo para beber. Ele está aprendendo, ela pensou e respondeu que aceitava um copo de água. Ele a serviu e subiu para o quarto dizendo a ela que não demoraria. Leonardo pegou seu fichário e um livro pesadíssimo sobre desenvolvimento de softwares e enfiou-os na mochila que ficara bem volumosa. Juliana costumava dizer que o único exercício físico que Leonardo praticava era carregar aquele peso nas costas. Ele olhou pelo quarto e notou uma pasta sobre a escrivaninha. Esta continha a resenha impressa que ele deveria entregar na aula daquele dia. Ele a pegou e a colocou também na mochila. Apagou a luz e desceu, encontrando Juliana sentada no sofá da sala.

— Você não me ofereceu um lugar para sentar, mas presumi que não se importaria se eu ficasse aqui.

— Desculpe, eu esqueci.

— Eu sei. Talvez um dia você aprenda. Está pronto?

— Sim. Vamos.

Leonardo trancou a porta de casa e os dois voltaram para o carro. Juliana guiou até à Avenida Marginal Pinheiros e seguiu por esta até pegar uma saída na Avenida das Nações Unidas. Contornou para acessar a Ponte da Cidade Universitária terminando na Rua Alvarenga. Virou à direita na Rua Eng. Teixeira Soares chegando à portaria um do campus. Identificou-se com seu cartão de estudante para conseguir acesso. Seguiu pela Avenida Prof. Melo Morais e buscou um lugar para estacionar próximo ao Instituto de Psicologia. No trajeto, ela explicara alguns conceitos básicos sobre personalidade dos quais ela tinha um mínimo conhecimento.

— É difícil definir o que é personalidade. Muitos autores tentaram, mas não existe nenhum consenso na área – Juliana começou.

— E qual é a sua definição?

— Bem, a personalidade representa a individualidade, a identidade. É uma marca pessoal, assim como a impressão digital. Mas é maleável, se altera de acordo com as experiências. O fato é que se duas pessoas diferentes passarem pelas mesmas experiências, não é certo de que elas agirão da mesma forma. Por isso, pode-se dizer que a personalidade é genética, apesar de ser mutável. Resumindo, acho que a personalidade é um conjunto organizado de fatores que implicam na decisão do que a pessoa deve ou não fazer.

— Seria correto dizer que a personalidade é a forma que cada pessoa tem de ver o mundo?

— Talvez. Isso pode ser verdade. É passível de consideração a ideia de que eu não veja as coisas do mesmo jeito que você.

— Nesse caso, a personalidade é só uma questão de percepção. Todas as nossas percepções vem através dos cinco sentidos. Teoricamente, os impulsos captados são os mesmo em todas as pessoas. A forma de interpretá-los é diferente em cada um. A personalidade é, então, um filtro.

— Acho que entendi o que quer fazer. Você quer encontrar o modo não etéreo de ver as coisas. Se tudo for físico, é mais fácil para imaginar um meio de simular.

— Sim, é exatamente isso o que quero. Eu tento imaginar tudo isso como se fosse um programa de computador. Se eu conheço o conjunto de entradas e saídas, basta imaginar uma forma de processar as informações para que tudo se encaixe.

— Mas você tem que levar outros pontos em consideração. Os instintos são iguais em todo mundo. Embora possa haver falhas genéticas capazes de alterar certos detalhes, todos sentem fome, sede, frio, dor, etc. Além disso, sentimentos como medo e raiva podem ser considerados instintos primitivos.

— Hm… – Leonardo fez uma pausa para pensar. – Acho que teremos muito trabalho pela frente – disse por fim.

— É… – Juliana suspirou.

A Cidade Universitária é, definitivamente, uma cidade. Situada na zona oeste de São Paulo, foi inaugurada em 1968 e conta com uma área de cerca de 4700 km². Era onde ficava a sede administrativa da Universidade de São Paulo, entidade ligada ao governo do estado de São Paulo, e grande parte dos seus institutos de ensino. A USP fora fundada em 1934 e era reconhecida como uma excelente instituição de ensino superior. Em alguns rankings mundiais estava em torno da centésima posição e oscilava entre a primeira e a segunda da América Latina, competindo com uma universidade mexicana. Era, sem dúvida alguma, o melhor lugar para cursar o ensino superior no Brasil.

Chegaram à biblioteca do IP por volta das quinze e trinta. Num dos computadores disponíveis, acessaram ao DEDALUS, o sistema de busca da biblioteca da USP, e procuraram pela palavra-chave “personalidade”. Depararam-se com mais de mil resultados. Era de se esperar em uma biblioteca de psicologia, pensou Juliana. A lista continha não apenas livros, mas também artigos científicos e teses de doutorado. Resolveram filtrar a pesquisa usando o termo “teoria da personalidade”, que remeteu a uma lista de pouco mais de cinquenta itens. Escolheram alguns que pareciam mais pertinentes, foram até a estante, pegaram os volumes e ocuparam uma das mesas. Com uma folheada geral, viram que, realmente, teriam muito trabalho pela frente. Leonardo abriu seu MacBook para já começar a fazer algumas a anotações. Juliana, que já tinha uma vaga noção sobre o assunto, o guiou pelo conteúdo dos textos e ele digitou algumas linhas sobre a estrutura da personalidade.

Ficaram por lá até às dezoito horas. Tinham uma ideia geral do assunto, mas tudo estava muito vago. Leonardo pegou emprestado o livro Os Tipos Humanos: A Teoria da Personalidade, de Luiz Pasquali, para criar uma base e o enfiou na mochila onde quase não coube. Os dois foram até uma das instalações do campus conhecida como “bandejão”, que consistia em um restaurante self-service disponível para os alunos e subsidiado parcialmente pela Universidade, tornando as refeições baratíssimas. O cardápio não era excelente, mas a comida não era ruim.

Enquanto jantavam, discutiam o assunto que tinha estudado durante a tarde. Juliana tinha seu ponto de vista e achava que Leonardo extrapolava demais às vezes. Ela acreditava que ele tinha uma visão muito “ciências exatas” da coisa toda, o que tornava difícil a explicação das nuances. Nem tudo era tão rígido quanto ele acreditava, ainda mais quando se tratava de um assunto tão misterioso e inexplorado como a mente humana. Ainda estava descrente do sucesso, mas apoiava o amigo, pois sabia que seria pior, além de inútil, tentar convencê-lo a desistir da ideia. Enquanto isso, teria de ser paciente e aturar seus devaneios mirabolantes.

Após a refeição, combinaram de encontrar-se no dia seguinte para continuar a pesquisa, despediram-se e seguiram cada um à sua aula, a de Juliana no IP, o Instituto de Psicologia, e Leonardo foi para a POLI, a Escola Politécnica.

Este texto foi postado quarta-feira, 2 de março de 2011 às 10:00 e arquivado como Capítulo 2. Você pode acompanhar as respostas a esta postagem no feed RSS 2.0. Você pode, também, deixar um comentário no formulário abaixo.

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