Quando terminaram de comer, Leonardo afastou os pratos e copos para que houvesse espaço para o seu não tão portátil MacBook. Abriu a apresentação de slides que fizera no PowerPoint. Juliana se espantara, pois as ideias dele até vinham com diagramas às vezes, mas era a primeira vez que via uma apresentação daquelas. Percebeu que ele não tinha se preocupado muito com a formatação e criara tópicos concisos. Ele então começou a explicação, que era, basicamente, o texto que escrevera naquela manhã, porém não precisava ler: mantinha as ideias na mente e seguia os tópicos que serviam como mnemônicos.
— Você sabe como funciona o cérebro?
— Como assim? Ninguém sabe exatamente.
— Sim, mas me refiro ao funcionamento em baixo nível.
— Você fala dos neurônios?
— Exato, é disso que eu estou falando.
— Até onde eu sei, os neurônios se conectam uns aos outros pelas sinapses formando uma rede e se comunicam pelas substâncias conhecidas como neurotransmissores.
— Exatamente. Você já ouviu falar em redes neurais? – as perguntas não estavam originalmente no roteiro, mas ele pensou que poderia pular uma parte da explicação em caso positivo.
— Eu fiz uma pesquisa multidisciplinar básica sobre o assunto. Até onde eu entendi, é uma forma de inteligência artificial que se baseia em redes de células organizadas de forma semelhante aos neurônios no cérebro.
— Sim, é exatamente isso. – ele avançou alguns slides. Lia-se “Simulação do cérebro” na tela. – As redes neurais tentam simular o funcionamento do cérebro através de uma estrutura semelhante. E assim criam softwares inteligentes que podem aprender a tomar determinadas decisões.
— Certo, estou acompanhando.
— Acontece que ninguém sabe exatamente como os neurônios processam a informação.
— Quer dizer que você descobriu isso?
Leonardo parou e ficou olhando seriamente para ela. Juliana sabia que ele detestava quando alguém se precipitava em concluir qual era sua ideia. Ela desculpou-se, sem graça, e pediu para que ele continuasse.
— Enfim, eu também não tenho ideia de como os neurônios funcionam individualmente, mas sei que os neurotransmissores enviam mensagens bem específicas para o resto da rede. Existe uma grande variedade deles e não se conhece, ao certo, a função de todos.
— Ok, aonde você quer chegar?
— Acontece que, enquanto pelo cérebro circulam muitos neurotransmissores diferentes, uma rede neural se baseia num sistema binário. Então, não é possível que algo com apenas duas variedades simule algo com dezenas. Minha proposta é criar uma rede neural com um conjunto mais abastado de entradas e saídas.
— Agora acho que entendi. Você quer criar um software que simule o cérebro. Não é a primeira vez que comenta o assunto. Achei que não tivesse funcionado.
— Aí é que está a questão: percebi que não é suficiente criar um software, exatamente. Minha intenção maior é criar o hardware. Um cérebro eletrônico composto de células básicas que, por sua vez, dispusessem de um conjunto de entradas e saídas tão rico quanto o do cérebro humano.
— E isso é possível?
— Sim. É razoavelmente fácil de fabricar. Mas aí voltamos ao software: como essas células individuais tratarão as informações?
— Você conseguiu chegar a uma conclusão?
Leonardo avançou para o último slide. Um grande ponto de interrogação era a única coisa presente na tela.
— Não exatamente. Eu sei que não precisamos copiar fielmente o cérebro, podemos criar um novo método de processamento que leve a resultados idênticos ou, pelo menos, semelhantes. Percebi que basta apenas definir que mensagens serão passadas entre os neurônios artificiais e como eles reagirão a essas mensagens: passar para frente ou tomar alguma atitude. Tem que se considerar que existirão vários tipos de neurônios que terão de ser programados separadamente.
— Então você pretende criar algoritmos para diferentes tipos de neurônios interpretarem um conjunto limitado de mensagens diferentes. É isso?
Ele fechou o MacBook e abriu um sorriso. Leonardo gostava de Juliana porque ela conseguia acompanhar facilmente seu raciocínio.
— Sim, o que é exatamente o que cérebro faz.
— Uau! Não consigo imaginar por onde começar. Mas você disse que precisaria da minha ajuda. Não vejo no que posso lhe auxiliar.
— O ponto é que, antes de eu começar a projetar o cérebro, eu tenho que saber de qual forma é possível implantar uma personalidade nele. Isto é a parte mais importante: a personalidade. O cérebro deve ser capaz de tomar decisões baseado nas heurísticas criadas pela genética e pela experiência.
— Seu objetivo final, na verdade, é programar uma personalidade em um dispositivo eletrônico. Agora entendi porque precisa de mim. Mas não sei se vou poder ajudar. Não tenho tanto conhecimento na área. Acho melhor você que tenha realizado alguma pesquisa específica sobre o assunto.
— Talvez, mas sei que você é capaz de superar qualquer um se resolver se dedicar. Além do mais, se isso der certo é bem provável que sejamos indicados ao prêmio Nobel. E eu quero compartilhar isso com você.
— Eu não tenho tanta certeza de que isso vai funcionar.
— Não estamos falando sobre religião, mas sobre ciência. Você não precisa ter fé, basta testar e confirmar ou refutar a hipótese. Nunca saberemos se nunca tentarmos.
— Você é maluco. Mas eu gosto de você e confio na sua inteligência. É a primeira vez que você me reserva alguma tarefa, então vou me dedicar. Saiba que ainda vai demorar um pouco, pois tenho que fazer uma pesquisa sobre o assunto.
— Sim, eu entendo. Vou te ajudar na pesquisa, assim ficará mais fácil para dar prosseguimento no futuro.
— Bem, vamos falar sobre isso mais tarde. É melhor pedirmos a conta.
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