Ele acordou no meio da madrugada. Tivera um sonho estranho, mas que lhe dera um insight muito interessante. Acendeu o abajur que ficava no criado-mudo ao lado da cabeceira de sua cama. Pegou seu bloco de anotações que estava sempre a mão e anotou algumas palavras-chave e referências das quais ele sabia que lembraria mais tarde. Ele acreditava ser uma ideia genial. Pegou o seu smartphone pensando em ligar para alguém. Percebeu que pouco havia se passado das três da manhã. Embora estivesse ansioso, não era nada urgente que não pudesse esperar pelo dia. Largou o telefone sobre o móvel, apagou a lâmpada, cobriu-se e voltou a dormir.
Às nove horas, Leonardo levantou-se da cama, ligou o computador e foi ao banheiro para lavar o rosto e as mãos. A casa estava vazia, pois seus outros dois moradores, a mãe e a irmã dele, já haviam saído para suas respectivas rotinas diárias. Desceu do quarto à cozinha para aprontar seu café-da-manhã. Preparou em um prato um par de bananas amassadas e misturadas com granola, que, por sua vez, consistia em uma mistura pronta de cereais (especialmente aveia), castanhas e frutas secas como passas e damascos caramelizadas em mel. Era o desjejum que ele costumava consumir por ser nutritivo e saudável , além de saboroso.
Leonardo era alto. Não tanto quanto um jogador de vôlei, mas, em geral, se destacava na multidão. Tinha a pele clara e possuía cabelos castanhos e finos que eram sempre mantidos curtos. Em seu rosto repousavam calmos olhos castanho-escuros e uma expressão neutra que raramente se alterava. Possuía uma boa aparência, mas não era do tipo que derretia os corações femininos. Era magro, com braços e pernas longas. Seu corpo não tinha nada de definido, pois nunca praticava exercícios físicos, quando muito, jogava uma partida ou duas de ping-pong ou corria, quase sem fôlego, até o ponto de ônibus para não se atrasar.
Voltou para o quarto com o prato, sentou-se à escrivaninha e abriu seu leitor de RSS favorito. Ele acompanhava os feeds de alguns importantes sites de notícias, incluindo alguns internacionais, para saber das novidades sobre política, economia e atualidades. Também recebia conteúdo dos grandes blogs de tecnologia, especialmente de informática, que era sua área de estudo. Ria com tiras de quadrinhos cômicas que, muitas vezes, só eram engraçadas pelos chamados geeks: pessoas com afixação por assuntos específicos, como tecnologia. E não deixava de acompanhar as postagens no Twitter.
Apesar de ser considerado, com razão, um geek de informática, Leonardo também tinha alguns conhecimentos, mesmo que vagos, em outras áreas da ciência, como psicologia, linguística, economia, química, história e alguns outros assuntos esparsos. Tinha, além disso, grande habilidade em elétrica e eletrônica devido ao aprendizado empírico quando criança, desmontando rádios, controles remotos e outros dispositivos, para frustração de sua mãe que não sabia como agir para manter seus aparelhos intactos. Ele adquirira conhecimento técnico com a descoberta da informática e, mais especificamente, da internet, conhecida como a grande rede mundial de computadores, embora ele soubesse que este termo não era bem acurado.
Foi aos doze anos de idade que Leonardo se interessou por computadores. Convenceu, depois de tanto insistir, sua mãe a comprar um modelo razoavelmente caro, mas cujas especificações técnicas justificavam o valor. Eles não tinham uma condição de vida abastada, mas com certeza não eram pobres e Regiane, a mãe de Leonardo, poderia se dar ao luxo de satisfazer um desejo de seu filho. Ele ficara tremendamente feliz e a agradecera veementemente. Nunca foi costume de ele demonstrar abertamente seus sentimentos o que fez com que ela se sentisse bastante lisonjeada. Ele passou a estudar mais ainda, o que fez com que sua mãe ficasse orgulhosa. Comprar aquele computador foi algo de que ela jamais se arrependeu, embora naquele momento estivesse ainda em dúvida.
Com seu novo brinquedo e uma conexão ADSL de velocidade razoável, começou a pesquisar assuntos que já o interessavam, como a eletrônica. Ficou fascinado quando percebeu que a elétrica se baseava na constituição e caraterísticas dos átomos. Viu que o movimento dos elétrons causados por uma diferença de potencial elétrico era o que gerava a energia necessária para mover grande parte de seus objetos do cotidiano, incluindo o computador. Interessou-se pelo funcionamento dos componentes eletrônicos como os resistores, indutores e capacitores. Mas os que mais lhe chamaram a atenção foram os semicondutores: os componentes que permitiam passagem de corrente elétrica apenas em determinadas condições. Desses existem os diodos, que permitem passagem de corrente em apenas um sentido, e os transistores, que permitem passagem de corrente em um sentido se houver tensão elétrica no terceiro contato chamado de gate ou porta. Os transistores eram as bases para a construção de mecanismos lógicos eletrônicos e para os microprocessadores dos computadores. O estudo de tais componentes despertou nele também um interesse por química, já que o funcionamento destes se dá por uma cuidadosa seleção de elementos químicos e do processo de dopagem dos cristais com gases.
Ele costumava criar projetos eletrônicos e montá-los utilizando-se de dispositivos antigos que seriam descartados. Com isso ele criava grandes Frankensteins e que nem sempre funcionavam como deveria. Depois de um tempo ele se voltou para a eletrônica digital, que consiste mais em uma forma de lógica matemática do que em elétrica propriamente dita. Por isso, os circuitos podiam ser simulados através de programas de computador e não dependiam de que Leonardo depenasse velharias. Como evolução quase natural da lógica eletrônica, baseada inteiramente na álgebra Booleana, veio a lógica de programação que se utiliza de muitos recursos das teorias de Boole.
De tanto usar a web, procurou saber como se fazia os sites que ele tanto acessava. Aprendeu como desenvolver páginas básicas em HTML, linguagem de marcação para gerar formatação nas páginas web, e criar recursos dinâmicos usando scripts e um pouco da ferramenta Flash criada pela Macromedia, empresa que foi adquirida posteriormente pela Adobe. Quanto mais se aprofundava, mas percebia que gostava. Descobriu que na área de programação nunca se termina de aprender. E isso é o que ele mais gostou.
Aos dezenove, Leonardo começou o curso de engenharia da computação na Universidade de São Paulo, considerada a melhor do país. A USP é uma instituição pública de ensino muito concorrida, pois, além da qualidade de ensino, seus cursos de graduação são totalmente gratuitos. Ele passou no vestibular numa das melhores colocações. Neste momento, aos vinte e um, era sem sombra de dúvida o melhor aluno do curso. E a USP era conhecida, especialmente, por exigir muito de seus alunos.
Leonardo pode ser considerado, então, muito inteligente. Talvez superdotado, se isso não for considerado um exagero. O ponto é que ele possuía uma capacidade de raciocínio lógico e matemático muito acima da média. E retinha informações como uma esponja. Assim, durante seus projetos, ele baseava suas deduções em pequenos detalhes dos quais a maioria de seus colegas já havia esquecido ou sequer tinha notado. Apesar disso, tinha memória associativa: só lembrava-se das coisas quando pensava em algo relacionado. Não conseguia lembrar-se de fatos aleatórios. Se alguém lhe perguntasse: “O que você fez naquela festa de aniversário?”, ele não era capaz de responder. Mas se perguntassem: “O que aconteceu depois de cortarem o bolo?”, ele conseguia recriar a cena a partir do fato informado. E por esse motivo sempre andava com um bloco de anotações em um lugar de fácil acesso. Nunca deixava escapar uma ideia, por mais sem sentido que parecesse. Mesmo que viesse no meio da noite.
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