Garotinha

Uma garotinha sentada num canto em posição fetal. O lugar é um quarto escuro, quatro paredes, um teto e um piso e nada mais. Não há janelas ou portas e, às vezes, é até difícil respirar. Não há sons ou cheiros; tudo é vazio. Só o que resta é a imensidão de um lugar apertado. Sem ter aonde ir, no entanto, a garotinha sente-se confortável; em seu próprio mundo ela tem paz.

Então ela ouve um som, uma batida através da parede; a princípio abafado, mas cada vez mais próximo. Não sabe quanto tempo durou, nem por quanto tempo esteve ali, só agora sentia aquelas vibrações através do concreto frio. Cada vez mais frequente; cada vez mais intenso.

Um raio de sol perdido encontra, agora, um lugar para atravessar; um pequeno buraco surge na imensa parede. Ilumina-se o quarto; a poeira torna-se visível onde a luz é mais intensa. A fenda aumenta, a luz aumenta, o som aumenta, o medo aumenta. A garotinha treme – seu único movimento além da respiração. Um vento frio, até mais do que o quarto, passa a circular.

Ela ouve vozes. A parede agora tem uma abertura grande o suficiente para que eles entrem. Eles falam com a garotinha, perguntam-lhe se ela está bem. Ela diz que sim com um movimento da cabeça, porém não era bem isso que ela queria dizer. Tudo estava bem até agora.

Eles a puxam pelo braço, não com força, mas isso a obriga a levantar. As pernas formigam e doem; os pés parecem não suportar o peso do corpo. Ainda assim, ela anda. “Um passo de cada vez”, pensa. Não tinha opção senão seguir adiante. Olha para trás, vê o canto onde estava sentada afastando-se devagar.

Sente a cabeça rodar, o sangue descer. Uma leve tontura, mas isso não a impede. “Não posso dormir, não agora”. Eles continuam a levando, segurando-a pela mão. Todos mostram sorrisos e parecem simpáticos. Todos estão felizes e ela não sabe o porquê; ela estaria feliz se ainda estivesse no quarto, sentada no canto.

Enfim, chegam a uma rua movimentada. Pessoas passam para lá e para cá, preocupadas com suas próprias vidas. Então eles largam sua mão, despedem-se com sorrisos, mas sem dizer para onde vão. “Agora estou por conta própria”, ela logo percebe. Eles se afastam e se perdem na multidão.

Ela olha para as pessoas que vão e vêm. Todos trajados elegantemente e ela vestindo apenas uma camisola velha. Todos com grandes penteados e ela com o cabelo desgrenhado. Todos limpos e brilhantes e ela com o corpo empoeirado. Ainda assim, ninguém parecia notá-la. Ela sentia-se invisível naquele meio, como se não fizesse parte daquilo. Havia uma membrana que a separava daquele mundo. Ela podia ver, mas não podia ser vista.

Encosta-se a uma parede e senta-se no chão, na posição a qual já estava acostumada. Olha mais uma vez ao redor, porém nada mudou: todos continuam seguindo suas próprias vidas e importando-se apenas consigo mesmos. Ninguém consegue ver o que está à volta, ninguém consegue ver através da membrana que os separa da realidade. Tudo o que veem é espelho e isso é tudo o que querem ver; olham apenas para si mesmos.

Afunda a cabeça nos joelhos. Jogaram-na naquele mundo sem lhe pedir permissão. Agora não tinha escolha: era viver ali ou morrer. Tenta chorar, mas não consegue. As lágrimas já secaram.

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